domingo, 31 de outubro de 2010

Vassoura


“O que me diz sobre romper barreiras fantásticas e invadir a casa de uma bruxa um dia antes de seu aniversário?”. Ele me diz: “sim, por que não?”
Por nos dizerem que elas estão soltas por aí, nem nos arriscamos por invadir – a porta estava aberta e nos convidava. Mas, por surpresa, só de olhar pro umbral da pequena casa branca, sugestiona-se que uma energia nos seleciona e, de modo rápido, somos absorvidos pra outro estado quando adentramos seus cômodos escuros, porém, nada sombrios. Pois são tomados de uma quietude noturna e bela, um à vontade com somente a luz da lua, porque esta é lâmpada num céu que figura como uma mantilha onde se estendem e cruzam vassouras enfeitiçadas. Não vemos.
Um pouco de sujeira pelos cantos e frases escritas na parede. Não lemos os significados. Não nos vemos. O mato que circunda o lar nada macabro é cauto em nossos passos e o lar é íntimo, pobre, porém puro convite.
Esta energia que nos selecionou nos suga com pujança como cobras endoidecidas. Talvez tenhamos nos transformado (por alguma feitiçaria de proteção), mas nem percebemos. Se foi, de fato, descobriu-se a experiência.
Não somos mais nós que nos conduzimos; é esta força. E é ela quem nos leva, quem nos enleva, nos eleva, quem nos rima na treva que faz sentir na colisão as paredes que viram camas. Sentidos invertidos, sem medo de se pecar. Ritual.
Nossa mente desperta e nos apertamos nos cantos que, de repente, não são mais sujos. São nossos. Tornam-se jardins. Com magnetismo e magnitude, um quarto nos chama sedutor. Adentramos, rimos, iluminamos. Nas paredes vimos imagens nuas e nos sentimos assim também.
“Alvitre ao catre” – uma voz repetia como um mantra. Foi coisa de bruxaria, não das más, mas das que não hesitam em fazer feliz quem se seleciona.
As vassouras cruzam o espaço arredias. Varrem noites tresmalhadas. Um vento bate e entendemos que seria bom sair dali. Podem nos varrer e, por respeito, resolvemos pisar o terreno externo, que é comum a todos. Lá, observando as cruzes espetadas na terra e resquícios de fogueira, continuamos imbuídos a nos dedicar alegria. Nesse lado de fora, vimos sapatos subindo as paredes laterais.
Amanhã a bruxa aniversaria. “Viemos até aqui pra pedir conselhos e ela deve estar à caça de corujas para seus preparativos”. Não duvido que ela soubesse da visita; uma visita nunca passa despercebida. Então, como cobras, rolamos os dois verticalmente para baixo os degraus inclinados de sua escada e sorrimos anormais.
Outra voz que se confundia entre as árvores gritou com traços de escarro: “Vem voltar querendo assim”. Essas vozes não sabiam mais se eram reais ou de ilusão, mas uma que findou nosso tropeço do último degrau da escada foi a mais curiosa, porque, com prazer, se dizia grata pela energia que foi largada no ambiente da casa: o último ingrediente que era preciso pra formular sua poção da efeméride.

Marli Gadot

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