RECICLAGEM
Por que meu coração de sucata bate descompassado por conter um furo na parte de pet? Talvez um lixo a mais pra um arremate, um retalho de pneu. Mas o meu, o meu coração de sucata pede. Pede pra bater nele porque está desorientado, quer acordar. Porque ele bate surdo e sozinho, o seu som não está sendo escutado. Ele se desesperou esperando bater música, mas agora a única solução é a gasolina e a faísca do fósforo. Química. Já viu como o plástico derrete bonito? Pirofagia já.
Daí vai bater um samba burro que vai ficar na cabeça do povo. Enquanto todos atravessam as faixas de pedestre, a música vai grudar feito chiclete nos problemas de cada transeunte. E todos vão pisar as listras brancas cantando minha ilusão. Um uníssono que incomodará a você, que não gosta de samba burro. Se eu tivesse um chiclete agora, tapava por um pouco só o furo da parte de pet, pra poder respirar um pouquinho com alívio, sem escape.
É interessante que não filtra sangue; nele passam aqueles vermes gordos do lixo e o costumeiro chorume. O choro me acostuma e eles passeiam. Eles apreciam mastigar a rejeição mal comida. Sístole e diástole mal engendradas. Não dá pra me reciclar. O lixo é todo misturado demais e não tem ninguém com luvas espessas.
É tão engraçado sonhar. Esse mundo não me pertence. Eu pertenço a ele numa discrição que me dá enfado. A prudência e o recato serão meus amigos e me darão as mãos, mas mesmo assim meu furo continuará soprando vazio de ar as últimas palavras suas.
Marli Gadot
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