terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Arroto

Espero a porta abrir acompanhada de voz e violão, mas só a geladeira produz um som monocórdio que casa muito bem ao tom da luz florescente da cozinha. Dentro do forno, doze pães de queijo são torturados no fogo abrasador. Espero tomando um copo de refrigerante, mas nada me preenche, nem o gás. Volto atrás na lembrança e fico sempre esperando me encontrar, mas nunca tenho sucesso. Não sei onde perdi o fio. Estava há pouco enrolado e comigo.

Abrir o álbum de capa amarelecida. Inevitável relembrar todas as fotos, todas as festas que se faziam no enternecer do entardecer de boas palavras. Mas agora pela garganta passa um arroto, o corpo devolvendo ao ar uma memória gasosa; o copo gelado suando em aconchego na mão direita. Minha boca pende desesperançosa - lábios frouxos e deprimidos. Esse rasgo que parte a carne se desenha em parábola negativa e por trás alguns dentes só pensam em tremer de frio.

Havia muito o que cantar no domingo próximo, pintando quadros se pudesse. Mas de fato, o ato da vida é que se estabelece e ninguém escolhe pra onde se levarão mil barreiras do encontro. Por motivo incerto se faz deserto dentro da condição e é tudo vida, tem que ser compreendido. Regra. Não há nada a temer, só há tudo a tremer. Só há o frio.

Sei que vou voltar pra mim e vai ser lindo. Ser feliz não é apresentar curvas pra cima no rosto em luz. Essa alegria que falta a tudo é produto do pensamento e da liberdade de se voar antes por dentro de si, pra depois abrir asas nas lacunas de uma metrópole, por cima da paisagem da larga avenida.

Quero cantar a sós, mas preciso de quem me escute. Meus ouvidos estão embotados e clamam por sirenes e gritarias. "Vamos romper a casca do mundo e parir sentidos em epilepsia". Digo "vamos" pois me olho no reflexo da janela noturna. O pão de queijo acusa não aguentar mais. A geladeira não é percebida na sua migalha de som. A luz branca e hospitalar me causa um vazio perturbador. A porta não vai mais se abrir. Isso soa tenebroso. 

Sou eu quem sai agora às ruas procurando cantar música só pra mim.


Marcelo Asth 

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