terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Farol

No alto do farol parece que a luz procura algo, obcecada como uma onda de radar que busca rastreando. É pertinaz no olhar do foco, vai varrendo a pele da água. Daqui, há muito tempo, sonho em subir o farol, que fica fincado na Ilha dos Prazeres - este lugar que passei a vida toda observando com afinco, mas que não tinha noção de como era. Eu era como um farol também perdido, querendo entender o código de luz. Ou talvez eu fosse uma embarcação tensa de mar bravio, querendo um guia que me conduzisse aos caminhos aquáticos. Não, tenho certeza de que eu era alguém incompleto.

Foram tantas noites com aquela luz zonza rodando, aparecendo e sumindo, como um vagalume de estrutura duvidosa, que numa noite salgada me pus a nadar no escuro, batendo os pés inseguros e ansiosos de espera, sem pensar, em direção à ilha. Foram muitos metros de cansaço e água salgada entrando no estômago. Sabia-se longe o motivo do meu ímpeto, mas o desejo foi côngruo e apenas apontava pra um ponto. Fui, parando apenas 3 vezes pra boiar por minutos que pareceram eternos. A noite me deu medo; uma paúra que por vezes me desafiava o grito. E também me tomei de lucidez por ter medo, mas continuei batendo os pés, dono do mar. Em soluço e riso.

Cheguei à terra e ainda sentia água. Meu corpo mole esmorecia, mas arfar dava energia, fazia sentir vivo e intenso, na pele. Vigor é percebido nestes atos de coragem, quando o ar quer romper o pulmão mas respeita o elástico tecido. A gente às vezes percebe que se está vivo quando o vento bate nos poros molhados e nos pêlos eriçados de prazer e tato natural. Ainda mais quando uma lua descomunal se põe como testemunha, cigana noturna a decifrar meus pensamentos de amor. Tonteira minha.

Pisei meus pés com decisão, vendo a luz bem mais de perto. Ela rodando, indecisa, desvairada, procurando, buscando. Foi a coisa mais linda que já tinha visto. Passei tanto tempo na praia, do outro lado, perdido, pensando no porquê da luz sem sentido ou direção. Eu também era como aquela luz que visitava ângulos sem entender nada, eu era uma luz solta brilhando. Eu era um grande poste desorientado. Agora eu via um grande poste à minha frente, uma ponta que partia da terra e me fazia olhar pra praia de onde vim com orgulho de vitória. Tanto mar, tanta gota que separava... 

Talvez um faroleiro trabalhasse por ali. E o farol com algumas gaivotas noturnas a enfeitar seu corpo antigo e carcomido de mar! Um velho espírito de praia, beijado na areia.

Assim que cheguei perto do farol da Ilha dos Prazeres, a luz tomou conta do vidro que enclausurava a lâmpada potente e hipnotizadora. Parou de rodar. E meus olhos se tornaram outros dois faróis a focar na fonte de luz que eu via. Não vou mais voltar. Por nada. Aqui. Tudo se tornou brilho. O mar que estava em mim secou e a cara se encheu de prazer e encanto. Minha expressão se tomou de vento e me tornei aquela natureza daquele cenário.

Talvez a luz esperasse por mim.


Marcelo Asth 

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