Recebemos o princípio da alma. Enquanto a chuva lá fora caía, aguardava ansiosamente o toque do telefone. Como não podia mais tocar com as mãos, o toque do som era quase vertigem. O atestado era claro: três dias de descanso. A alma estava ali pra se prontificar, pra quebrar a casca dura dos labores da transformação.
E quando passar o efeito do que acalma? O sono fazia carinho nas pálpebras (venezianas que abriam e fechavam como as de casa, protegendo da chuva lá fora); daqui, se protegiam minhas pupilas. Enquanto atravessava a rua, avistou um pouco receosa, um senhor passear com um leão do outro lado da calçada. Não teve medo porque àquela altura, sua vida se misturava com os sonhos e tudo o que desejava sonâmbula era rugir como as feras. Assustou-se com um bruto toque em seu ombro esquerdo. Acordou de seu sonho; era o telefone que a chamava, despertando seus versos. Acionou a tecla do viva-voz e proferiu a interjeição.
Tudo era uma seqüência incoerente dos fatos e seus passos estavam bambos ainda de sono, mas falava com voz rouca e doída de sensações. Em sua garganta o ar tremia as pregas vocais – simulava um estado mais precário quanto ao que realmente sentia. Lá fora a chuva ainda caía e o vento tremia as fiações dos postes.
- Quer um café? – parecia perguntar-se a si mesma enquanto via os pingos que partiam desesperados do quadro da janela cinza. O perfume adentrou o recinto convidando o paladar a testemunhar a presença do outro. Recebemos a finalização da alma.
Eleonor Manns
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