segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Trapézio

Vontade é o pior vício, é aquilo que não se cabe em si. Ela é um estado de solação celular. Mitose. Me toma, me pega na multiplicação da vontade expandindo o universo. É por isso que me escrevo em verso, pra rimar, rimar, rimar por mares e beber uma onda cheia a cada soluço sem solução. Estado de gelação.  




TRAPÉZIO

Me esconde ali debaixo do teu cacho, pra que eu sobreviva. Qual o calor exato sob seus cabelos? Pra que fique próximo ao pensamento. Estive pensando no que vale a pena. Fora o mundo, só felicidade. A minha felicidade é enterrar antigos eus, póstumos arrependidos. Todos congelaram no primeiro segundo de queda. Às vezes foi suficiente pra preencher bloqueios aéreos. O que são trapezistas? Penso que não sabem amar. Porque têm coragem demais pra eu compreender.

Eu estava ali perdido sem entender a vida, encostado no muro da falsa percepção. Um rombo se abriu rente às minhas costas, e caí tonto para a teu campo de uma outra placidez, inatingível. Agora estava dentro dela. E minhas retinas implodiram de um medo delicioso. Era tanta luz que emitia que eu desejei ser escuridão. Ali debaixo do teu cacho, esperando teu sorriso, batia palmas como quem era a mais bonita platéia. “De camarote, camarada.” Parece que você pensava. Parece que você sabia que eu queria ser treva pra absorver orgasticamente a luz eminente. Organicamente.

Os dias foram se estendendo... quem foi entendendo os dias? “São precipícios de antiga festa”, sua mente pensava um poema inquieta. Verdadeiramente. Sua liquidez, sua fala risonha, aquilo tudo era demais pra mim. Eu não agüentava tanto admirar, me sentia fraco de tanto sorrir. Fiquei tão tonto de beleza, que escorreguei do cacho (não tive perícia pra segurar). “Êpa”. Parece que você pensava. É porque me veio o som. Parece que você sentia, assaltado. Transpassei mais de um segundo enquanto te via procurar um muro mais alto pra derrubar. Parece que você sabia que eu me esquecia no ar.

Marli Gadot

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