sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A gente cria um filme

Dramaturgia - UNIRIO
Exercício sobre fragmentos, modelização da pessoa, cerceamento da liberdade de ideias aprisionadas, tempos quebrados, escrita selvagem, angústias, compartilhamentos.

A GENTE CRIA UM FILME

Um copo de Coca Cola conversa comigo de madrugada. Não estou só. Não ouve as borbulhas? Pois sente, que elas são doces agulhas na solidão da gente. Estouram noturnas, em química sonoridade amiga. Coloquei sob o braço esquerdo um termômetro. 35ºC. 30 dias tem setembro, abril, junho e novembro. E o resto? O resto é lixo do pensamento. Preciso reciclar minhas cismas, meus sismos, meus cataclismos. Preciso mudar de clima. Pronto. É verão e amanhã a praia fica fechada. Há tanta poesia nos corpos que um sorriso lançado do rosto de alguém pode causar palavras deliciosas na pronúncia e no uso. Da língua. A minha língua não reconhece os meus dentes de ferro. Ela fica traumatizada. Ela é uma língua-indivíduo, porque ela estranha. E por me compor, passo a ser língua. Mudo o clima. “É inverno”, dizia alguém na frente da televisão. Tua vida segura é a solidão, é o mundo de notícia e solidão. Mas também é muito mais.
Mas como vinha falando, escrevendo e sangrando, não percebi que palavra corta. Pa. La. Vra. Não caibo na minha pessoa. A pessoa não é minha, desculpe. Vou interromper o espaço em branco. Gosto de sujar. Com gosto. Agosto de 1987, eu nasci, morri ali. Elvis não nasceu. A gente cria uma imagem da gente e aceita ela engolindo sem pudor. A gente acredita na gente. Dá pra acreditar? Tudo é rasteira. Elis não morreu. Toda noite converso com ela, deitado na grama rasteira. Ela me diz que teve um sonho ótimo com você. Vocês voavam juntos. Mas lembrando aqui, na vida mesmo você não voa. Você acredita no que a gente é. Você acredita em mim? Então prova. Chega mais um pouquinho para esquerda, fica na frente do sol. Ah! Assim.
“Fumo. Um Beckett não para madrugada. Leio leitura obrigatória, não o que... dinheiro é bom. O trabalho cansa” – dizia ele, deitado na grama rasteira. Pa. La. Vra. É preciso lembrar. Não me lembro de nada, só o que me convêm. Já me entendi que não sou o que entende, sou o que cria. Sou cria do monstro. Não tenho memória. Tenho tinta. Mas também é muito mais. Será que alguém secretamente está pensando em você agora? A gente direciona o pensamento pra onde quer. Mas mesmo na liberdade do pensamento há negação. Não há fluidez do elétrico pensamento no seu domínio.
É fácil se chatear comigo. Eu me podo tanto que não vou deixar você se chatear. Não. Não. Não! Me dê a mão. O mundo um dia vai acabar. Não se chateie. O mundo é cedo. Gira e a gente não sabe, não sente que gira. A gente decora e imagina. A gente vê o sol e depois vê a lua. Eu queria ver sol, mas preciso ficar trancado. Tudo dentro de mim é mais importante que lá fora. A covardia dele é mais interessante que uma praia vazia. Porque tem que ser vazia. Detesto a repulsa ao meu porte, ao meu cateter, ao meu corte. Mas sou onda do mar quando quero. É bom morar longe da família. Todos te amam e te desejam. E tudo se estimula mais. Eu queria ter uma coragem ferrenha, que desse gosto na saliva. Palavra corta. Quase outubro já. Que serei no próximo ano? Que serei no próximo século? Queria não precisar dormir.
Gosto de escrever, comer, amar, dançar, rodar, cantar, lamber, gozar. Tem tanta festa e euforia embutida no instante-agora. Não. Não. Não! Solta essa tua mão da minha. Dá fobia. Como será uma cantiga de ninar em finlandês? Canta pra mim revertida, pra eu nunca precisar do sono.
Tudo exige tanto. Eu não sei chorar. Nem querendo ou precisando. Eu criei um câncer em grandiosas células por consumir medo enlatado. Suposição. Não tenho tanta opinião. Gosto de poder quase sempre concordar ou guardar minha energia pra não discordar. Embate me dá preguiça. Ainda não se chateie comigo. Dê as mãos a você mesmo e me imagina. Me imagina cantando. É incrível como a gente cria filmes. Tudo o que a gente vê pode ser enquadrado. Ou arredondado. Ah, o sol. Quando ele lambe indiscreto...
Não tenho grandes necessidades materiais, mas sou adepto das frivolidades e futilidades das matérias. Gosto do que faz sentido. Pra mim, o que faz sentido é isso. Pa. La. Vra. Não posso errar. Me dê a mão. Me dê um elogio. Me dê um cigarro. Dá-me um cigarro. Não, obrigado. Não fumo. Detesto a fumaça. Essa fumaça. Tem tanta fumaça que gosto: sauna, festa junina, almoço de família, Natal, pólvora de fogos. Vou fumar. Um Beckett não. Não quero ler. Só escrever. Não tenho memória. Só gosto de criar. Não sei falar. As palavras se atropelam enquanto idéia. E eu acredito nisso. Acredita? Acredita que soube há 2 semanas que os mineiros estão presos sob a terra no Chile? Não estou antenado. Rede Wi-Fi. O mundo é uma teia de aranha. Nam myoho rengue kyo.
Se solto meus cavalos como solto os meus cabelos, o vento dos meus medos vai acabar por penteá-los. Eu acho ruim não desejar mal a ninguém. Eu não desejo mal a ninguém. Quero todo mundo feliz e bem consigo, na minha festa, domingo. Mas como gosto de quase tudo à minha volta, não gosto de mim. Ai, eu gosto tanto de você... se você soubesse, teria medo. Trabalhar. Vou trabalhar coragem, organização, disciplina, iniciativa. 30 dias tem setembro. Se tivesse 31 seria mais um dia pra eu ler apostila, preparar aula, preparar o dia, alegria, fazer rotina e me consumir intensamente. Agite antes de usar. Todos os seus companheiros de aventura. Tenho vontade imensa de me esconder pra dentro, sumir com conforto. Mas não quero nem pensar que posso.
Vou tentar ser feliz na pressão. O feijão cozinha mais rápido. Tem que ser mais rápido! Vai. Já! Não. Não. Não! Pra mim, o que faz sentido é isso. O mundo é cedo, é sede de tarde. A minha pessoa acha correto se apaixonar, por tudo. Por todo o sempre do segundo. Eu amo o mundo visual, imagético, seguido da voz tua. Anda chateado comigo? Me dê um elogio. Ah, eu também... vem cá. Dá-me um beijo. Me dá um beijo. Ah... Não. Não. Não! Não posso. Posso é uma palavra forte. Acho certo se apaixonar, mas a gente nem sempre tem nexo. Ih, não me dê a mão. Sou comprometido. Com minha pessoa. Eu preciso ver sol, mas amanhã fico trancado. Vamos ao zoológico? Lógico. Ih, não posso! Lembrei que deixei cascas na grama rasteira de Friburgo. Será que ainda estão lá? Pra que a gente pensa isso? A gente cria filme, palavra. Você acredita em mim?

...

Se a gente não se comunicasse por palavra, e sim por toques e beijos, talvez poesia fosse gozo. Se a gente não se comunicasse por toques e beijos, e sim por palavras, talvez gozo fosse poesia. Alguém pensa secretamente em você. Não é assim que se procura em mim. Tem que ir mais fundo. Procura na segunda gaveta da esquerda, no meu arquivo subterrâneo. A gente sabe que tem gente mais feliz que  a gente. E só por isso são geniais. As pessoas me cansam. Eu não sou pessoa. Mas me canso. Sempre morei em morro. Friburgo é um grande vale. Prefiro o Rio, que é um grande o quê? Aqui tem tudo. Friburgo não. Nenhuma cidade mais pode ter. Só no Rio tem tudo. É bom também estar longe da família. Amo cada um. É bom estar perto também. A minha pessoa está querendo dormir, mas a sua pessoa não deixa. As nossas pessoas precisam se identificar.
O caçador de borboleta tem que imitar a borboleta. Dois olhares. Três comentários. Sono e interesse dialogando. Cicatriz de Ulisses, reconhecimento do homem pela criada. O cachorro é o primeiro. Não quero falar. Não sei falar. Quero encher o espaço de palavra. “Ela ficou chateada comigo? Como é que você ta? Ta tudo bem, obrigado”. Não posso errar.
Sou tão repetitivo... é porque não tenho memória. Preciso me decorar. Pro Natal. Quase outubro já. Preciso trocar. Pois é dando que se recebe. Não é uma troca justa. Tudo é rasteira. E o resto? O resto é lixo do pensamento. Vou interromper o espaço em branco.

...

Vou bater o peito na quina da bancada de mármore e o cateter vai sangrar. Alguém vai me jogar pó de madeira nos olhos e apertar minhas pálpebras. Se atravessar a rua, tenho que chegar à calçada antes do carro passar por mim. Não posso pisar no branco. Meus chinelos já estão dispostos no tapete. Já posso dormir. Bato 3 vezes na madeira da cama e faço tríades cíclicas desse ritual. Triplico cada toque na madeira, que se fecham em grupos de 3 maiores. Somo os números da placa do carro. Se um carro passa na rua e eu estou deitado vendo TV, devo colocar o volume no mudo e fingir estar morto. Há uma música secreta no meu cérebro e a língua (a língua-indivíduo) dança secretamente suas coordenadas junto a um movimento de dedos que abrem e fecham. Eu vou explodir. Já! Eu estou social. A sociedade não tem saciedade. O mundo quer me comer. Saturno mastiga seus filhos. Que delícia o penetrar dos dentes dele! Tenho pouco tempo de vida. Fracassei agora. Não deu certo. Eu, que já tive esperança, me sacio. Obrigado.

Marcelo Asth

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