sábado, 25 de setembro de 2010

Memória Virtual


Memória Virtual


Um homem foi parado por um casal feliz no calçadão do Leblon. Eles pediram que ele fosse o fotógrafo daquele segundo. Ele sorriu, pegou a câmera com intimidade – gostava de tecnologia. E fez a grafia daquela luz numa memória virtual. A fotografia segura o instante. Fotografe seu momento.
Dali entregou a câmera para o casal, que agradeceu de modo abafado com o riso da foto que já viam afobados. Acessar os segundos atrás.
Ele continuou andando, mas se sentiu diferente. Enquanto esperava um ônibus, sorria sem graça, disfarçava. Parecia estar sendo fotografado. E por eu estar te contando isso, uma cópia da foto é sua. Fica pra você, guarda na carteira. Não, tudo bem. Pode amassar...
Dentro do ônibus ele observou que o motorista havia parado no sinal vermelho, ao lado de um carro vermelho, de uma mulher vermelha que estava de batom vermelho. Ele olhou num ângulo acima pra dentro daquela intimidade, pra dentro do carro dela. E a imagem muda parece nos dar a possibilidade de ler o pensamento. O motorista foi percebido pela mulher, que rapidamente levantou os vidros pretos do seu carro. Ela havia se sentido com raiva de tudo. Ela queria trabalhar na Barra, onde mora, mas trabalha em Copacabana. Nunca lhe pedem pra tirar fotografias na orla. Esse foi o pensamento que o homem teve ao ver a imagem muda desaparecendo pelo subir do vidro escuro – um muro.
O homem olhou pra sua direita quando veio outro sinal vermelho. Viu Elias Gleiser caminhando sem camisa em Ipanema, de óculos escuros e traço engraçado. Lembrou de “Sonho Meu”, novela que gostava de acompanhar.
Ao saltar do ônibus passou em frente a muitas vitrines e vidraças dos térreos dos prédios. Gostava de ver sua imagem na cidade. Mas agora pensava além do seu corpo. Lembrou de sua noiva. Eles quase nunca riam juntos. Sorriam demais, parecia pra preencher algo no espaço vazio. Ele se viu preso numa foto de memória virtual. E pensou nunca ter passado com ela por algum momento como o do casal da praia.
Olhou a temperatura num daqueles pirulitos altos que trazem as informações cotidianas. Pra não se esquecer do presente. Estava calor; andava depressa e estava atrasado. Percebeu que no trajeto para seu trabalho, havia preenchido densamente o que precisava preencher ali.

Marcelo Asth

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