sexta-feira, 24 de setembro de 2010

lari-lará



Vamos contar até 3 e nos despedirmos do sol. Enquanto aquele edifício preto implode, aquelas girafas me olham incertas e me aterrorizam. Você está aqui pra proteger. É do mesmo tamanho que eu, da mesma largura, mas me protege de todas, porque quando me engole teu abraço não há outras imagens que se sustentem. Me prende.
Depois de 100 respirações e vastos carinhos era necessário pisar firme o chão, dotar-se novamente de carne e cor e acordar friamente, enrugado e de rosto quente. Diferente de outros dias dormidos e sonhados, não havia nada hoje que conseguisse me tornar corpo. Daquele sonho não conseguia sair. Não conseguia. Uma roupa voou, se desprendeu do varal, aquele cachorro sem cor que vigia latiu. Vento, minha mãe correndo atrás de dinheiro, muitos tijolos pretos no chão, uma conversa tola e a espera de um falecido num cenário estonteante. Você me olhando bravo e cansado de me esperar.
Te prendi, descobri a fórmula pra te acessar. Eu dentro do meu sonho estou tendo consciência de que essa é maneira de te prender. Passei a entender que é escolha minha não acordar. Não por hora. Não por dia. Hoje não volto ao meu dono. Perdi meu reino, mas bebo água de onde quiser e levito para você admirar. Mas você logo me olha bravo e cansado de me esperar. Impaciente. Eu ainda não vou, não. Deixa eu enrolar mais um pouco. Te prendi. Fica aí e relaxa, deita no rio que sonho.
Dentro de sonho não se calcula tempo, mas pro corpo que fraquejava e nem babava mais (por falta d’água), haviam se passado uns bons dias. O olho já inchado, não abria. Remela como cimento. Longe do corpo, próximo ao nada, você não me engolia com abraços e me olhava ainda mais bravo. Você não podia sair. Mas porque, se eu perdi meu reino e este é meu sonho? Eu impero. Você espera. Foi assim que a gente combinou. Conversa tola.
O meu dono começou a latir vigiando. Tenho que acordar. Esse foi o meu acordo. Não posso fazer nada. Sou tão fraco. O coração dispara. Quero me esconder de vergonha. Por não poder viver aqui. Preciso ganhar o reino de volta. 100 respirações. Pra ficar bem tonto e não acreditar.  
A orquestra foge, minha mãe se encontrou com o avô morto, pagou seu caixão. Os tijolos pra quê? Ainda estão ali atrapalhando estúpidos. Tua imagem agora é turva, não vejo teu rosto. Que pena... estava tão bonito azulado. Mas ainda o sinto zangado.
Eu preciso voltar. Vamos contar quantos têm em nós dois e nos despedirmos do sol. Ah, quantos nós quando sós...
Não, não late no meu ouvido.
Você cavalga a girafa cega. Distante já.
Meu olho de vidro emperrou. Na janela da pálpebra não consigo abrir por nada aquela veneziana escangalhada. Eu tenho um cheiro insuportável. Ninguém veio me acudir? O erro foi deles. A janela travou, está difícil levantar. Meto o pé na porta. Fenestra funesta. Acorda!
Eu sequei mesmo... morreu meu corpo, mesmo. Mesmo. Mesmo. 2 segundos suspensos pra registrar, com o sangue preenchendo gelado a cabeça. Me prendi. Perdi o sonho, deixei você se apagar por besteira. Eu quero continuar sonhando, mas o meu cérebro aos poucos vai se apagando. Queria tanto participar. Os tijolos... proteg...


(...)


Regina soltava pipas que customizava. Por morar em frente a uma praia vazia, à noite se perdia em recreio, dando sempre mais linha. Mais linha. Mas seu pai era austero, não gostava de pipas. “Regina, recolha as pipas, é melhor assim...” – o vento soprava conselheiro. Mas Regina estava cansada e queria vencer. Soltou o fio da pipa. Correu solto o fio na mão, beijando e traçando o destino. Solta, ela nunca voou tanto pra dentro da sua desilusão. A linha sempre embola quando esbarra nas estrelas. A pipa rasga e a noite não vê.


Regina se engasga. De prazer.  

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