Eu sinto essa barreira derramando por dentro de mim, um morro de terra se espalhando. Meus olhos têm esse potencial de água e eu não posso fazer muito. Estou longe e minhas memórias estão soterradas. Cada árvore, ponte, prédio, rua, calçada, tudo é área enlameada, cheia de novo cenário. Muitos gritos foram abafados, obrigados a engolir essa argilosa composição de céu e terra. Esbarro-me por todo o barro quando me aperta o coração, por saber que tenho que ficar por aqui e esperar as notícias. Pois pra Natureza pouco importa quantas vidas; ela apenas deslizou. Tudo ainda é rio e terra; paralelepípedos fomos nós que criamos. Esse grito bombástico que se ergue por cima dos telhados e massacra com força inescrupulosa de um deus. Não quero me ater à agonia. Há muitos outros caminhos agora. Mas nesse rio de memórias estão as minhas, misturadas e molhadas. Todo canto que passei, morreu de espanto. Uma guerra d’água, de soldados invisíveis e ignóbeis, onde se lava com feitos assombrosos e faz nascer uma corrente dos que ficam vivos. Sobreviver é ainda arrastar-se nesse pós-acontecimento. Porque não basta viver, tem que estar além, superviver. Queria agora estar supervivendo em minhas colinas devastadas, me unindo aos assustados. Mas no momento fico calado, esperando, com meu solo ruindo movediço e resgatando minhas memórias soterradas.
Marcelo Asth
Adorei "todo canto que passei morreu de espanto"
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