segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Estrutura



Este espaço urbano repleto de coisas que não significam nada começou a lhe atordoar a partir do momento em que, ao ver de perto uma obra na rua em que morava, descobriu o que havia de subterrâneo, abaixo dos paralelepípedos. Um grande buraco que interditava sua rua lhe revelou o que sua vista não poderia sempre alcançar. Esta obra trazia um barulho besta e incomum aos dias e ali se encontravam alguns canos expostos, uma rede escondida que levava algo a algum lugar, terra e águas sujas empoçadas, onde os homens trabalhavam com intimidade. Neste momento um lampejo desnecessário lhe veio à cabeça, de que não entendia nada do mundo. Sentiu-se um pouco mal de entender tão pouco e colocou-se culpado também por não ler jornais, ao ver um senhor de poucos cabelos saindo superior de uma banca. Passava por aquela rua todos os dias e não conseguia entender a rede que estava ali escondida, qual seria sua importância pro funcionamento do cotidiano e quem a pensou desta maneira. Deduziu o óbvio, tentando se explicar como se levava o esgoto dos prédios a alguma estação de tratamento (ou para os rios). Gradualmente foi percebendo que não poderia entender milhões de outras coisas mais simples e também mais complicadas que o homem inventou neste tempo todo de evolução da civilização. Isso só porque sua rua se encontrava em obras. Olhou pra um carro parado e pela primeira vez, sem a película da normalidade e do costume de olhar, pensou na maravilha de uma máquina transportar os homens. Era tudo muito engenhoso, desde o mais simples. E pensou em petróleo e em quem pode ter descoberto que furando o fundo do mar se resolvia com uma gosma preta o transportar dessa máquina que rodava sobre as redes de esgoto. As ruas não ruíam, mesmo com o grande peso dos carros. E mascando um chiclete, lembrou que uma vez ouviu que este também tinha em sua composição a mesma gosma preta que fazia mover as rodas. Olhou pros edifícios e se sentiu incapaz de compreender como se fazia pra edificar tijolos, concretizar espaços e verticalizar caixas pra se morar, sem que caíssem com o balançar do vento. Engenhoso demais. Viu a disposição dos paralelepípedos, que eram pedras cortadas de forma retangular, quase na mesma proporção. Elas eram dinamitadas de uma grande montanha. Quilos de pólvora e gritos de ordem para detonar. E o trabalho de encaixá-las. Num trecho além da obra, começava o asfalto. Não conseguiu chegar a uma conclusão de como era feita aquela massa, mas sabia que era melhor cobrir as ruas com elas – talvez assim os carros deslizassem melhor pelas vielas. Já se sentindo bobo por não compreender tantas coisas que via sempre no mesmo trecho de rua, olhou pra um pássaro que olhou pra ele, pousado num galho. Foi ali que ele entendeu algo a mais. Entendeu que talvez aquele pássaro só entendesse seu canto, seu pio, sua pena. Que ele não sabia nada como ele. Então começou a assobiar uma música do Nelson Gonçalves, lembrou de sua mãe morta e se dirigiu à padaria, onde comprou um frango assado depois de enfrentar uma fila de 6 pessoas que riam, falavam de política sem entendê-la, da mesma maneira que os jornais reproduziam e os canais de televisão discutiam. Chegou à sua casa pelo mesmo caminho sentindo fome e vontade de devorar o frango. Lembrou que sua esposa estava fazendo o arroz do jeito que ele mais gostava, com as misturas que lhe agradavam (e que ela bem sabia). Voltou pelo mesmo trajeto, agora sem pensar os pensamentos que o inquietaram noutro instante. A obra barulhenta parece nem ter sido tão percebida agora. A fome era tamanha. Subiu o elevador olhando o espelho, sem pensar em sua estrutura complexa de também transportar. Entrou em sua casa, abriu o refrigerante e almoçou deliciosamente com sua esposa (que o serviu antes de pôr a comida em seu próprio prato), com o mesmo recorrente prazer domingueiro de não se entender as coisas mais triviais e com os hábitos mais corriqueiros que construía como um engenheiro de sua própria rotina. 


Marcelo Asth

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