segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Poço

Eu não sou um poço profundo que abraça um balde cheio. Sou cheio de seca e não posso oferecer nada além do meu eco. Pede água, eu seco. Cospe no fundo, eu me encho, instantâneo. Eu não te contei ainda, mas posso desabar a qualquer instante. Eu, que sou feito de pedras, sofro de corrosões aflitivas, de falsos rebocos, de grandes vazios.
Quando o meu eco vier carregado de perguntas, vai começar a ruir pelo fundo, por onde você não consegue ver. As infiltrações que não me permitem dar a água que você pede pra beber, escondem as gotas fugidias. Eu não sei como acumular pra te dar. Eu tento, mas teu balde quer ser cheio. Você tenta ver seu reflexo, mas meu interior é escuro e não permite o espelho natural.
Eu sei que a um quilômetro de sua casa tem um açude cheio de água gelada e limpa e uma paisagem que faz encher de desejo seus olhos. Você por lá já nadou nu, se masturbou com a água, se agarrou na vegetação que se curva e mergulhou fundo, pulou de cabeça de uma pedra fabulosa. Mas você vem ao poço porque tem preguiça de andar um pouco mais e sabe que no açude pode encontrar mais alguém nadando nu e se curvando como a mata sedenta. Pra você é mais fácil dar dez passos da varanda e lançar imperativos em busca de água.
O poço que construíram não agüenta mais saber que bem perto há um açude sem rachaduras e que você prefere ir lá, mas não quer se cansar. Você tem medo porque lá é público e outras pessoas têm sede de mergulho. Orgulho. E se é pra matar a sede, eu me esforço pra não ruir, pra acumular o que você pretende pedir de mim. E este velho poço, ninguém mais procura.

Gabriela Schineizer

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