sábado, 5 de fevereiro de 2011

Contractile



De repente deu uma vontade de olhar pras estrelas, só que não aqui na cidade, onde as luzes de mentira acostumam os olhos e deixam tudo em letargia. Eu queria me deitar numa madrugada, num rastro de grama molhada, cheio de desejo e murmúrio e me deixar penetrar pelos sons do mato, enquanto lá no alto (numa distância que não se sabe precisar) cintilam estrelas neon. Deu uma vontade de perder o rumo, de conversar com o nada, me entrevistar. Os olhos no escuro aos poucos vão se acostumando com a ausência das coisas. Depois de um tempo você olha e faz um bem retrair as pupilas, na solidão da íris contractile. E com essa vontade toda não existe solidão. Porque assim não preciso do outro, de ninguém, me sinto uma entidade em contato com o interno, com a natureza, com o assombro misterioso da nudez da essência bruta. Eriça o pêlo e no corpo passeia uma adoração.
Bateu um desejo de subir uma montanha por horas, sem me preocupar com o tempo e com a preocupação dos outros. Subir, me cansar, fazer uma aposta com a própria mente. Abrir mato com as mãos, sentir o frio da paisagem e dormir sobre uma pedra, isolado do medo, soberano. Esperar o sol nascer pra se emocionar com o espetáculo. Parece que nasce só pra mim. A maioria dorme e quem está acordado parece dormir. Contrariar a segurança colocando um pé na boca do precipício e gritar pro mundo, lá do alto, alguma frase de efeito. O impacto da voz retorna num eco que me enche de ilusão. Quando eu descer a montanha durante mais algumas horas, aos poucos vou me reiterando a condição de ser do mundo, voltando a ser gente, abaixando a bola.
Vou tomar um banho agora com água muito gelada pra tirar o suor. Preciso suar muito, me desgastar, deixar o corpo em frangalhos. Quanto mais apanha mais a alma se entende. Vou colocar uma ópera pra tocar no aparelho de som e comer uma fruta que me lembre um sabor antigo.
Saudade de ler poesia em voz alta, de alterar a consciência, pintar a cara e rebolar sem medo, dar vexame pra ninguém ver. É divertido demais se permitir.
Eu quero me permitir a tudo, porque sou dono do que eu quero ser. 




Marcelo Asth

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