Hoje meu coração tentou sair voando. Ele se debateu por cerca de dois minutos e de forma avassaladora ele me deixou em sobressaltos, até me nocautear. Fiquei no chão pasmo, com vergonha do que os outros iriam pensar. Ele fazendo pirraça ali e eu em frangalhos, chorando de dor. Uma criança mal educada na potência da sístole e da diástole, berrando burra porque não vai ganhar assim o que quis. Minhas costelas foram estruturas abaladas neste episódio, porque um terremoto interno talvez tenha maior impacto que um tremor de chão. Acontece que algumas pessoas me acudiram, outras me acusaram, outras riram e outras choraram, assustadas de verdade. Quando vieram três pessoas me dar a mão pra que eu ficasse em pé, meu coração varou em disparada, me lançando sem controle para a frente. Fui jogado em solavancos numa rua, que por sorte, era uma ruazinha acanhada da Tijuca. Aí só um senhor dono de uma casa de artigos de umbanda que tentou gritar alguma coisa, achando que o problema fosse espiritual. Eu sorri desengraçado, besta na inconformidade da situação. Decidi ir correndo pra praça Sans Peña, pegar um metrô e me abuletar num vagão lotado. Foi a primeira coisa que pensei, porque sempre quis que as pessoas me olhassem dentro do metrô, saíssem das cascas. E por lá achei que seria um lugar onde o peito acalmaria, porque eu deixaria o coração pensativo, com tanta gente estranha e tão perto, ao redor. Sempre olham absortas, absurdas, focadas com o olhar dos mortos e dos esquecidos. Eu fico sempre tentando entender porque meus olhos não se controlam em espaços fechados. Pois cheguei à estação e meu coração saciou a loucura. Um ventilador potente daqueles de estação me balançou os cabelos e o coração parece que foi desmaiando. Ele quase parou de bater. Aí eu fui de vez, desmaiei também, caindo com parte do corpo além da linha amarela de segurança. Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma - meus olhos não viam. O que os olhos não vêem o coração sente. Muita gente gritou porque o trem se aproximava. O coração se sentiu culpado e bateu acelerado. Aí meus olhos acordaram e eu vi de relance, de soslaio, como um flash, a cara do homem que guiava o metrô. Eu nunca tinha reparado no condutor de metrô, me senti estranho, como acordando zonzo de um sonho. E num rápido segundo o coração pulou pra trás, me tacou à força num pulo, me salvando. As pessoas ficaram muito assustadas e fizeram roda à minha volta. Uma velha humilde e evangélica passou mal após gritar de horror. Eu fiquei vermelho e triste, não conseguia falar e a voz tremia. Os seguranças desceram as escadas e se aproximaram. Eu percebi a intenção. Daí, eu que estava exaurido e pouco entendendo, corri muito pela plataforma, querendo correr pelo trilho, virar trem. Aí vieram loucas imagens à cabeça. Pensei que se a frente do metrô tivesse a cara daquele minhocão de parque de diversões de interior, as pessoas talvez entrassem sorrindo no vagão e olhassem umas pras outras e rissem, ou comentassem com humor a novidade. Foi só o pensamento da hora, não tem explicação. Mas eu saí do buraco subterrâneo e decidi voltar pra casa já. Aí o coração foi alertando paz. Resolvi entrar numa igreja católica e perguntar num cantinho pro coração o porquê de todo o vexame. Que balbúrdia - falei recriminando. Ele foi batendo gostoso, talvez arrependido. Rezei um pouco do meu jeito budista, sem ser praqueles santos que me olhavam com pena e ar de superioridade. Nem estava aí pra eles, estava querendo levar um lero à sério com meu peito. Falei de isquemia, de infarto, miocárdio oleoso, artéria entupida, coronárias sebentas, falei de gordura de porco, torresminho de bar com ovo rosa, margarina na colher, latas de leite condensado que eu podia tomar pra me vingar. Podia tapar o nariz pra ficar sem ar e causar uma hipóxia braba. Que na veia cava podia cavar uma angústia que faria ele bater amargurado. Disse pra ele se controlar e se fizesse esse escândalo de novo, que eu podia até meter uma faca grossa por entre as costelas. Eu faço isso contigo? Responde? Faço? Tem neguinho por aí que se estrepa de tanto errar com o coração, escolhe até amor errado. Eu não, comigo não, coração. Ele se debateu rebelde e eu bati no peito pra mostrar quem manda. Disse que saindo dali compraria um picolé de uva pra refrescar um pouco esse calor que ninguém merece. Aí ele bateu respeitoso, parece que entrou no eixo. Que eu não estava a fim de ser olhado na rua. Talvez só dentro do vagão, pra não ficar incomodado com a frieza dos olhares opacos dos outros. Por conta de escândalo do peito? Valha-me. Dei um chega pra lá. Mas fica aqui quietinho, me respeita. Daí saí da igreja com um pouco de medo do alien que me habita, meio inseguro, mas forte depois da conversa, sabendo que agora ele tem que entrar no jeito de uma vez por todas, andar nos trilhos e marcar o compasso certo, ritmado, ceder às minhas vontades e ser careta, bater numa mesma frequência, habitual, que me faça ser discreto e disposto no dia a dia, contraindo e relaxando o músculo até que a morte nos separe. Ele parece que entendeu.
Duda Gero