Posso parar este instante no máximo de detalhes que recolho. Retalhos: pios, calor, janela aberta em leve brisa, um caminhão dispara o motor, uma mulher fala ao telefone coisas de uma vida alheia, a montanha não se aguenta de luz, as flores morreram (mas ficaram hastes verdes), 12:43, menta no boca, quadros estancados, coluna curvada como a montanha. A imagem nas mãos, não nos olhos. Mas se abrir uma fenda no meu corpo, vai vazar tanto espírito que não se acreditaria. Pra não derramar por inteiro, vou só furar um ponto, com uma agulha calibrosa, de intenção pontiaguda e roliça. Pronto. Já saiu tanta coisa, que dá pra averiguar nos montes que se revelaram em minha sala, diante dos olhos – e não das mãos. Antes, devo aconselhar que a vida é só uma experiência. E quando estamos tristes, parece que entendemos, de fato, tudo. O pessimismo revela aos quatro cantos de qualquer espaço, uma entoada de sabedoria, como vento forte. É que se pára para perceber que tudo é prova. Ganhamos sentimentos da natureza por provação. Somos fase de videogame – quem será o habilidoso jogador a manipular os impulsos? Aí são olhos e mãos.
O que tem ao redor, que saiu fedendo, jorrando e temendo – revelando -, foi um desgaste tremendo que nem um pouco cintilou de luz. Uma dúvida curvada (não como a montanha), 12:49 (e todos os outros tempos contidos), uma sensação de fracasso (por não ser como o mármore, por não ser um deus), uma estranheza do mundo (difícil é alcançar paz, como uma montanha), fotos (antigas), fofocas (mentirosas e lancinantes), chateação (ainda futura), vitrines (tudo é exposto), tolices (desejo de ser maior que tudo o que aflige), músicas (seria conforto uma surdez repentina), ciúmes (não sou aquele).
Precisei furar um ponto na pele por estar estourando de lotado. Guardo tudo e não reciclo. É tanto medo colocar as mãos e olhos sobre o lixo, reciclar-devolver beleza ao mundo. No momento, prefiro vomitar, furar pontos, conduzir tudo o que me pesa pro fundo do oceano, onde um golfinho no golfo possa se alimentar e golfar todo o reciclado que, por fora de mim, se faz em contato com o mundo. Sou tão pequena que agora me escondo. 12:54.
Marli Gadot