Eu acordei de luto, completamente sem sentido e afastado de mim. Nada de alívio, sempre o pesadelo das ondas altas. Hoje sonhei que estava num prédio toda espelhado por fora. Do 8º andar (calculando pelo ângulo da minha visão, que ainda me recordo), via ondas que assolavam Copacabana, espancavam a Princesinha - talvez o sonho se deva ao fato de estar planejando ir à praia hoje. Essas águas se agrupavam e quando faziam maior massa no corpo magistral que surgia pronto para cair, recomeçavam o movimento; via algumas pessoas submersas, tranquilas, sob a onda - talvez essa imagem do sonho se deva à sequência de um filme bobo que passava à noite na tv, quando um homem tentava se salvar do fogo pulando dentro de uma água cristalina, de tom esverdeado. Meu pesadelo era assim; mas as pessoas não eram revolvidas, trazidas ao movimento da onda. As pessoas ficavam por lá, como se estivessem dormindo, de trajes de banho.
Neste 8º andar, funcionava uma espécie de escritório burocrático - talvez essa imagem do sonho se deva à lembrança do escritório da Porto Seguro, no Centro do Rio, onde fiz o seguro fiança do apartamento que alugo; mas com a presença desse mar bravio. Por ser este ambiente, cheguei a este local com minha máscara usual de sorriso e gentileza. Fui eu quem os alertou sobre o que acontecia no mar. O som era forte, estrondoso, impaciente e eles ainda não haviam se tocado de que o mar estava diferente. Convidei-os à janela, para que vissem a realidade e todos se chocaram. Ficamos todos calados, observando com foco o que ocorria: as ondas se agrupavam e quando faziam maior massa no corpo magistral que surgia pronto para cair, recomeçavam o movimento.
Sonho não tem imagem, insisto em dizer isso. A impressão é que sonhamos em preto e branco, meio sépia. Mas as imagens são transformações da realidade mental, nosso arquivo. São fatos, palavras, mas não no que percebemos, mas pelo o que o cérebro percebe e faz suas conexões elétricas para estabelecer também associações. Por isso não temos imagem, nem cores. Temos lembranças, mundo fragmentado, que percorrem a formação de imagens. É sempre forte algo que se sonha, pois é um mosaico mais detalhado de que se tem conhecimento, uma colagem de fatos já passados. Eu tenho 25 anos - tudo isso de poros abertos, sentindo e me relacionando com o mundo - e também, registrando.
Minha vontade, caso eu vivesse o que sonhei, seria abrir as janelas e me juntar às pessoas que estavam sob as ondas - parecia ter uma camada de vidro sobre elas. Queria pular em cheio numa das ondas e deixar meu corpo explodir com a força de todos os movimentos da Terra. Queria perder todo o meu sentido, porque tudo é assim mesmo. A gente é dividido em fragmento de alegria e fragmento de tristeza. Mas quando vem a sucessão da angústia, da melancolia, do fato de não conseguir controlar a besta-fera que reside em mim... ela me controla e é por isso que eu tentaria voar sobre as ondas. Eu tenho medo do mundo e estou com medo de mim, que tenho medo do mundo. Eu tenho medo de todo mundo e me dói muito as poucas horas em que passo com o mundo.
Eu preciso nadar numa onda, preciso tentar repetir a posição do homem sob a onda ameaçadora. Eu vou hoje afundar o meu ser sob o mundo, sob a água, de olhos fechados, com água ao redor do corpo. Me afastar de tudo e de mim, esquecer do mundo. Eu quero olhar da praia algum 8º andar de um prédio pra tentar me encontrar, quero ver o mar na fachada espelhada. E quero ver a imagem brotar no espelho, gigante: se der sorte, que essa onda avalanche estanque no peito, se agigante da minha fragilidade e me engula o corpo inteiro. Quero me deixar, quero lavar os lutos, completamente sem sentido e afastado de mim.
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