sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Verdade ou Consequência


                 Aliás, bastou uma noite para ruir um templo de memórias, pois a vida – como já se sabe – é feita de escolhas. Era muita determinação esmerada conferida àquele relacionamento amoroso. Era - porque se desfez este templo, com as cariátides se pondo a baixo, altaneiras despencando em cheio no concreto. Eram, antes, dois - e isso era certo. O incerto é que o mundo é maior que os dois e por volta passeiam vários planetas. Por vezes um campo de atração inexato polariza um clima e um planeta explode se colidindo de uma maneira que nós (seres firmes) não pensamos nunca em vivenciar.
                Mas acontece que, numa noite estúpida, entre amigos de anos (dessas pessoas que vivenciam e compartilham tudo, incluindo liberdades), Thiago se pôs a beber em roda e em risos – longe de Ana Paula, a namorada, que estava viajando de férias, na casa dos pais. Thiago, na casa de Carolina (uma ex-namorada, agora amiga), entre seus amigos, chegou a fumar um cigarro – coisa que não fazia. Parecia a liberdade entre seus amigos ser tanta e tão colorida que resolveu embarcar na onda dos demais. O problema é que, toda a fortaleza do namoro de Ana Paula e Thiago, todas as juras de amor e todos os momentos, poderiam não aguentar a rodada de Verdade ou Consequência, 7 cervejas, um clima amistoso, lembranças passadas e os braços de Carolina (a ex).
                Thiago realmente era forte. Não só no físico, mas no que propunha como escolha de vida: seu namoro inabalável, rondado de ciúme, carinho demasiado em proteção, promessas e filmes que rodavam em projeções futuras. Mas Thiago era sonso e não sabia negar – o que fez dele alvo de suas convicções, pista de prova para uma corrida contra si mesmo.
                O jogo começou a partir de uma voz tonta e bêbada de Guta, uma descoladinha da roda. Pegou uma garrafa vazia de cerveja e bradou como novidade: Ah, vamos jogar “Verdade ou Consequência”? – uns toparam no ato, outros fizeram muxoxo, mas cederam à diversão.  O assunto anterior à proposta repentina era “Sexo” e ali começaram a relembrar histórias do grupo de amigos, a expor intimidades e até segredos mais picantes. Relembraram de uma historinha engraçada de “Carol e Thi” – os dois se riram e se abraçaram. Essa coisa de lembrar a época das experiências gera um clima que é normal entre jovens reunidos, ainda mais de longa data. Mas é um clima que tonteia – mais que a bebida. Acontece que Ana Paula estava feliz demais com os pais em Grussaí, pegando uma cor, pensando em Thiago e mandando mensagens para o celular dele a cada hora. Ele, enquanto reunido com a galera nesse dia, não olhou o celular que estava vibrando dentro da mochila, num canto do quarto de Carolina.
                O primeiro a pagar a prenda foi Levi, que se levantou claudicante, com a perna dormente de tantas horas sentado rindo e bebendo. Mas, em pé, teve que mostrar uma pinta grande que tinha na nádega esquerda – aí todos riram e Maria Isabel deu um tapa em cheio em sua bunda. O segundo foi questionado sobre um assunto íntimo e contou uma verdade, sobre sua namorada – chegou a imitá-la gozando. A terceira foi bem rápida: contou uma verdade boba. O quarto, este de nome Thiago, teve que ir além. Pagou uma consequência, incentivado por palmas e coro de “beija-beija-beija”. E Thiago assim, deu um beijo de 10 segundos em Carolina – que desmontou lívida. Foi só isso no jogo. Fingiram não acontecer outro clima mais sério, deram andamento. Nesta noite, Bebel e Danilo ainda ficaram, quando tudo já era lixo.
                Ficou tarde, sem metrô ou ônibus seguro que passasse. Thiago, Mayara, Levi, e Maria Isabel foram convidados por Carolina a ficar na casa dela. Enquanto desenrolavam 3 colchonetes sujos e poeirentos, Bebel e Danilo anunciaram que iriam para um motel. Um coro de incentivo e piadinhas foi ouvido com o mesmo tom das idiotices de grupo. Thiago, nesta hora, a tantas da madrugada, foi à mochila, verificou o celular e viu uma mensagem da namorada, que dizia estar comendo pizza com a família, que também mandava beijo. Terminava com: “boa noite, tô com saudadessss”. Ele passou uns 12 minutos respondendo o SMS, por estar em outro tempo. Forçou a cabeça para não escrever errado, escrever besteira. Pesou a consciência por poucos segundos, pelo beijo do jogo. Mas ele se enganou, pensando que aquilo não era traição, que era algo simples, de amigos antigos. Pensou até com desprezo em Ana Paula: “ah, ela nunca me deixa ver os amigos e agora está em Grussaí...”. Thiago, zonzo de sono e de porre, desligou o celular quando Carol entrava no quarto. Ela disse que tinha um lugar na cama dela e que os outros já estavam caindo pelas tabelas, sobre a poeira dos colchonetes. Ele não viu problema: eram amigos, nada mais. Mas Thiago era sonso e não sabia negar – o que fez dele alvo de suas convicções, pista de prova para uma corrida contra si mesmo. E Thiago foi se enganando, Carolina se entendendo. Os dois se deitaram e Carolina abraçou Thiago, é claro. Não teve jeito de controlar a ereção. Ela – justamente ela, que Ana Paula vivia com ciúmes, dizendo ser ela tão feia e de um passado tão imaturo do namorado -, como já esperava, passou a mão no short de Thiago e o resto foi de uma consequência e de uma verdade que não estavam em jogo. Foi burrice, coisa de sonso, de jogar consigo mesmo, dizendo ser tudo normal. Entre amigos ninguém fala nada. Segredo dele é segredo dela.
               Acordaram os dois juntos, com olhos abertos quase que concomitantemente. Ele soltou um: não acredito. Ela riu e disse não ter problemas. Thiago sabia que Carolina não ia contar nada, nem os amigos. Afinal, eram amigos de anos, longa data. Com Ana Paula ia ficar tudo bem: ela ia saber da noite dos amigos, ver poucas fotos (de antes da galera bêbada e sem foco), perguntar um “se comportou?” e receber um “claro, amor”. Talvez ficasse chateada, por ele ter dormido lá. Mas ela ia saber que Thiago dormiu com Levi e que Carolina tinha ficado com Danilo, que havia pintado um clima. Ana Paula não ficaria com verdades, nem consequências – ficaria com uma mentira entupida, ainda sorrindo por ser mais sonsa que o namorado. Eles se amam tanto!
              Isso tudo em uma noite. Aliás, bastou uma noite para ruir um templo de memórias, pois a vida – como já se sabe – é feita de escolhas.

Marcelo Asth

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