A casa é a tapada pela árvore, próxima ao rio Bengalas. Atrás dos dois telhados - vermelho e cinza.
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Hoje, dia frio, mais que frio, em Friburgo, vou à varanda de minha casa pra ver as névoas cinzas azuis brancas cobrindo a ponta das montanhas. Olho pro rio que cruza lá embaixo da vista da paisagem e me vem a infância passando nas águas. Vi uma casinha branca e me lembrei de uma história: quando criança, eu e minhas irmãs tínhamos um imaginário fértil em relação às casas ribeirinhas, de costas pro rio. Elas ficavam apontando pra um casebre velho de janelas estranhas, lá no longe, e dizendo "tá vendo uns vultos pretos passando nas janelas, umas figuras estranhas?" E eu concordava e realmente via. E tinha a tal da casinha branca de janelinhas arredondadas que eu achava a casa mais linda do mundo. Como eu queria aquela casa... e, sem dúvida, ela era minha. Eu dizia "aquela casa é minha" e dizia pra todos, mostrava a minha casa na beira do rio. Uma vez um ônibus vermelho ficou à venda na outra margem do rio. Ele também ficou sendo meu por um tempo. Minha ideia o comprou. Depois a minha casa foi reformada, ganhou andar a mais, placa de captação da luz solar e uma árvore que subiu cobrindo boa parte dela. Ela não é mais minha. Não é mais, porque não digo, não mostro, não apresento aos outros e a mim. Mas é o alvo de uma lembrança, dos dias em que morei com os olhos naquela casa distante.
Marcelo Asth